sete

Mergulho na biblioteca com o alívio de deixar para trás a minha vida. Cada passo dado no corredor são menos átomos entre o meu corpo e o ruído dos outros. Quero escutar apenas os móveis a estalar, os aviões a passar, o ruído leve dos corpos dos outros leitores, passos tímidos, a vibração de uma lâmpada, o ar do radiador, um melro, o meu cabelo a roçar no casaco, a minha respiração profunda. Agora, sim, começam as conversas cuja escuta aguardo pacientemente.
Uma mulher aproxima-se com um sorriso e um papel na mão. É bela. Veste uma roupa normal, o cabelo cinzento desarranjado, óculos redondos. Não usa maquilhagem, tem as faces rosadas do frio e dos derrames. Parece-me a mulher mais bela que alguma vez vi. Olha-me com transparência e dirige-se a mim com franqueza e doçura. Acolhe-me, a mim, uma desconhecida que invadiu a sala da biblioteca sem cartão. Segura na minha mão e pede desculpa por ter de me encaminhar para a outra sala. Ela não sabe que a sua doçura desinteressada é como um bálsamo. Que não quero saber da sala. Só quero o silêncio deste edifício. Só quero ser desconhecida, dar as mãos assim, a alguém doce que não me conhece, mas me faz sentir saudades da minha avó. Sentir-me em família. Cuidada. Neta de ninguém. À conversa com gerações anónimas.
Tenho sede e preciso de usar a casa de banho, mas não tenho força para enfrentar tudo o que implica levantar-me deste lugar de silêncio. Prefiro descansar os ouvidos e o rosto, sacrifico temporariamente o meu equilíbrio fisiológico para demorar-me aqui. Habitar a solidão fértil é do que mais sinto saudades na adolescência.
Cheira a madeira.